"Cheguei em casa ao anoitecer, pendurei o chapéu no guarda casacos perto da porta. Um cheiro de feijão escapava da cozinha.
Passeando de um lado ao outro, pude ver sua saia pela porta aberta. Laura cantarolava uma música do Erasmo mais alto que o rádio. Entrei com os olhos cansados, a alma lavada e a voz dissipada.
Laura me viu, me sorriu, me despiu com o olhar. Caminhei em sua direção, tirei-lhe o pano de prato das mãos e tomei-as pra mim, inundando todo o meu eu com o transbordar de seus olhos. No seu penteado bem feito, sorriso sem jeito, perfume perfeito, transparecia a calmaria do mar de domingo.
Laura era irreal. O espectro da minha poesia.
Juntei partes de mim e de todas as mulheres com quem já andei para preencher o vazio da minha casa. O cheiro de feijão substituía o cheiro de mofo que as paredes exalavam. O sorriso de Laura nada mais era que o meu próprio, refletido nos vidros do armário de copos. Os olhos de mar eram a mistura de dezenas de olhares femininos que me cercaram a vida toda, desde a infância no Flamengo até os puteiros de Copacabana. Olhares frustrados que encharcavam minha mente com memórias rebocadas de fracassos.
Minha vida se resumia a um emprego medíocre, mulheres pagas e casa hospedando baratas. Minha razão dizia que eu era grandinho demais para sustentar personagens imaginários. Meus personagens pulavam de livros empoeirados e sentavam na poltrona da sala, reclamando mais que a avó Carocha.
Não me leve a mal, não sou louco, sou apenas sozinho. Minha solidão era preenchida com o espectro de Laura nas noites quentes, mas quem roubava minhas manhãs era Carolina. Carolina, par de pernas compridas que me servia num botequim de Copacabana. Passava a cintura fina por entre mesas com bêbados debruçados, trazendo-me o café e o jornal do dia na bandeja, acompanhados de um bom dia simpático.
Acendi um cigarro e observei a seriedade de Carolina enquanto recolhia as garrafas de cerveja de cima das mesas. Com todo meu conhecimento sobre a solidão e suas vertentes, Carolina não me engana nem uma vírgula. Quem sabe não sofresse do mesmo mal que eu. "
Por Maria Eduarda
mariaedbressan@outlook.com
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